Vai começar a amanhecer e todos os candeeiros se
tornarão inúteis, o sol exibirá sem piedade os nossos corpos deitados, as
rugas, as pregas tristes da boca, o cabelo emaranhado, os restos de pintura e
de creme na almofada. [...] A energia musculosa do dia empurra-nos, como às
corujas, para as derradeiras pregas da sombra, onde agitamos as penas húmidas
numa ansiedade inquieta, encolhidos um contra o outro à procura de proteção que
não há. Porque ninguém nos salva, ninguém pode mais salvar-nos, nenhuma
companhia virá, de morteiro em punho, ao nosso encontro. Eis-nos
irremediavelmente sós no convés desta cama sem bússola, baloiçando pela
alcatifa do quarto hesitações de jangada.” (ANTUNES, 2010, p. 172)