sexta-feira, 30 de maio de 2014

Querido Antônio

Vai começar a amanhecer e todos os candeeiros se tornarão inúteis, o sol exibirá sem piedade os nossos corpos deitados, as rugas, as pregas tristes da boca, o cabelo emaranhado, os restos de pintura e de creme na almofada. [...] A energia musculosa do dia empurra-nos, como às corujas, para as derradeiras pregas da sombra, onde agitamos as penas húmidas numa ansiedade inquieta, encolhidos um contra o outro à procura de proteção que não há. Porque ninguém nos salva, ninguém pode mais salvar-nos, nenhuma companhia virá, de morteiro em punho, ao nosso encontro. Eis-nos irremediavelmente sós no convés desta cama sem bússola, baloiçando pela alcatifa do quarto hesitações de jangada.”  (ANTUNES, 2010, p. 172)

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