quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A amargar o sangue

É impressionante o quanto você é importante para mim. Apesar de todo o sofrimento dos últimos tempos, da forma como você me trata, eu continuo querendo reatar, me religar a você, quase no sentido inicial empregado na palavra "religião".

A sua recusa ou a sua indisposição para me dar a mão nesse momento é uma coisa que "me está a amargar o sangue" (para usar uma expressão do valter hugo). Ele sempre fala na poesia dele que um dia ele ainda vai morrer de amor. E eu tenho morrido um pouco todos os dias.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Da minha autobiografia

Tornou-se um blog feito a partir exclusivamente de trechos literários. Ultimamente, nada do que falo possui validade. Só consigo emitir algo pelo discurso dos outros, tão fragilizado e perdido encontra-se o meu. Nunca quis nada biográfico (pretensão ingenuamente errada). Todo o discurso do outro é, em parte, apropriação minha, identificação com as circunstâncias, afeição às palavras, predileção boba. Tentei ficcionalizar tudo e, no final, só restou a realidade anterior ao sonho. Só. Uma palavra pequenina que dá a dimensão de si mesma. Só é muito melhor do que alone, do que seule. É só. Concisão da minha querida língua portuguesa.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Eu, Fernando

"Cara tia,

Nunca quis fazê-la triste mas esta carta vai deixá-la triste. Eu próprio me entristeço enquanto a escrevo, porque esta é uma carta desolada que vai já sem mim e porque a não voltarei a ver, a si de quem eu sempre gostei, cara tia.

Já cá não estou e, se muito quis abalar em silêncio com passos firmados da noite, não pude partir sem lhe deixar algumas palavras que, se consolo não são, de bálsamo lhe possam servir.

A mim nenhuma droga me pode já tolher a dor, porque a dor que trago está cravada no começo do que sou e me atravessa como sangue que corre. Muitas vezes refleti sobre se isto a que chamo dor e que eu sinto tão natural não será afinal de todos os homens, e que outros que não eu lhe chamem outras coisas e durmam com ela sem dela se estranharem.

Não tenho nome para isto, cara tia, sei que dói, que me foi roendo dentro e me deixou escavado de tudo, oco de mim. O que fui procurando para me encher de novo nunca me chegou: o saber, as amizades, a música, o amor, as letras, a escrita, também o álcool. Assim me soube poço, mais do que vazio, um buraco por onde as coisas caem e se perdem para sempre.

Sabe, tia, não sou insensível a nada, sei reconhecer o que é belo e sentir prazer num dia de sol, no sabor de uma romã ou no toque de uma mão. São contudo sementes atiradas a solo estéril, porque aqui nada se dá e tudo seca ou apodrece.

Que fazer então, tia? Viver assim é andar aos tombos. Por sorte ou destino fui capaz de me bastar nesta amargura, não tendo nunca arrastado quem longe estará seguramente melhor. Mas até quando poderia eu garantir essa desambição? São tão fracos os homens, somos todos tão falíveis, que mais tarde ou mais cedo eu haveria de encontrar alguém e, em lugar de dividir, multiplicar desgostos,

Concluindo, cara tia, peço-lhe que pelo meu gesto não veja em mim o altruísta que não sou nem o malvado que não quis ser. Assim como vim, agora vou, somente porque assim haveria de ser.

Que os beijos que lhe deixo possam secar as lágrimas que não mereço, não se amargure, tia, que eu vou no vento, a minha alma vai nele e finalmente há de respirar.

O eternamente seu,
Fernando"


CAMAREIRO, Nuno. No meu peito não cabem pássaros. Rio de Janeiro: Leya, 2012. p. 183-184. 

sábado, 30 de agosto de 2014

I know this feeling

"Nova trabalheira, novo desespero, vontade de jogar tudo no lixo." (p. 31)

DOURADO, Autran. Uma poética do romance. São Paulo: Perspectiva, 1973.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Querido Antônio

Vai começar a amanhecer e todos os candeeiros se tornarão inúteis, o sol exibirá sem piedade os nossos corpos deitados, as rugas, as pregas tristes da boca, o cabelo emaranhado, os restos de pintura e de creme na almofada. [...] A energia musculosa do dia empurra-nos, como às corujas, para as derradeiras pregas da sombra, onde agitamos as penas húmidas numa ansiedade inquieta, encolhidos um contra o outro à procura de proteção que não há. Porque ninguém nos salva, ninguém pode mais salvar-nos, nenhuma companhia virá, de morteiro em punho, ao nosso encontro. Eis-nos irremediavelmente sós no convés desta cama sem bússola, baloiçando pela alcatifa do quarto hesitações de jangada.”  (ANTUNES, 2010, p. 172)

terça-feira, 29 de abril de 2014

Ressurreição

"- E ele?
- Amava-me, creio, mas não entendíamos o amor do mesmo modo; tal foi o meu doloroso e tardio desencanto. Para mim era um êxtase divino, uma espécie de sonho em ação, uma transfusão absoluta de alma para alma; para ele o amor era um sentimento moderado, regrado, um pretexto conjugal, sem ardores, sem asas, sem ilusões... Erraríamos ambos, quem sabe?
- Vejo que eram incompatíveis, interrompeu Félix; mas, por que exigir de todos essa maneira de ver e sentir, que é mais da imaginação do que da realidade?
Lívia levantou os ombros.
- Estou explicando a situação da minha alma, continuou ela. Foi aflitiva e triste; não lha ocultei. Riu-se de mim. Era um homem apático e frio; honesto, é verdade, e bom coração, mas falávamos língua diversa e não nos podíamos entender. Confiei todavia na influência do amor. Empreendi a tarefa de o trazer à atmosfera dos meus sentimentos, errada tentativa, que só me produziu atribulação e cansaço. Fatigava-o com isso a que ele chamava pieguices poéticas; da fadiga passou à exasperação, da exasperação ao tédio. No dia em que o tédio apareceu conheci que o mal estava consumado. Quis emendá-lo e não pude. Tinha feito da nossa vida conjugal um deserto; e se minha alma chamava contra o destino, minha consciência me acusava de um erro, o erro de haver perturbado a paz doméstica, a troco de um sonho que não veio. Não me faço melhor do que sou, bem vês; mas uma parte da culpa será da natureza que me fez tão pueril? Tal é o meu receio agora, continuou Lívia depois de alguns segundos de silêncio; às vezes cuido que não vim ao mundo para ser feliz nem para dar a felicidade a ninguém. Nasci defeituosa, parece. Serás tu capaz de desfazer a apreensão ou corrigir o defeito?"

ASSIS, Machado de. Ressurreição. São Paulo: FTD, 2002. p. 88-89.

domingo, 27 de abril de 2014

2h08

Decerto.
Deserto...
Disserto,
Deleto
Dilema?